Poucas coisas mudam de um dia para o outro, no caso da Igreja, nada muda imediatamente. À longa história de uma instituição quase bimilenária temos que unir a necessidade de discernir, de encontrar o que pode fazer da Igreja uma melhor presença de Deus na vida da humanidade, respondendo aos sinais dos tempos e sem perder a essência da dimensão transcendente.
Francisco quer reformar a Igreja, não apenas em sua aparência, mas também, e sobretudo, em sua essência. O caminho que ele escolheu para esta reforma é o da sinodalidade, algo que não é novo, mas que foi mantido na gaveta por décadas. Bem, às vezes era trazido à tona, mas sem colocar as mãos na massa, era arejado um pouco e guardado novamente.
Entretanto, nos últimos anos, desde que o Sínodo para a Amazônia foi convocado, mas especialmente desde que começou seu processo de escuta, a Igreja quer deixar claro que não tem medo de sentar-se, escutar, dialogar, discernir e agir. É uma Igreja na qual caminhar juntos tornou-se um modo de vida, na qual todos se sentam à mesma mesa e expõem o que está presente em sua vida diária, mas também na vida da humanidade, especialmente aqueles que sempre foram colocados do lado de fora da história.
O nascimento da Conferência Eclesial da Amazônia é, a meu ver, um momento histórico que pode determinar de forma decisiva o futuro da Igreja. Ouso dizer que dentro de alguns anos esta será a maneira de ser Igreja, alguns podem me tomar por um tolo, mas o que está escrito, está escrito. Não será um caminho fácil, as resistências, fruto da luta pelo poder, estarão lá, mas eu vejo isso como algo de Deus, e se for de Deus, como Gamaliel disse bem no início da história da Igreja, seguirá em frente.
O Documento Final do Sínodo para a Amazônia propôs a criação de um corpo episcopal, mas Francisco, que não dá um ponto sem fio, quis dar uma reviravolta a mais, sugerindo que ao invés de ser apenas episcopal, ele deveria ser eclesial. Desta forma, ele não queria deixar de lado os bispos, e sim ajudá-los com visões diferentes para um melhor discernimento. Neste caso, as vozes das mulheres e do território vêm juntar-se e contribuir para a dimensão pastoral e teológica, mais presente entre aqueles que desempenham o ministério episcopal.
Ninguém que tenha um quociente razoável de inteligência se recusa a ouvir e a conhecer as diferentes posições, a dialogar com os outros, mesmo que não pense da mesma maneira. Esta é a maneira pela qual podemos embarcar em uma caminhada comum, para viver a sinodalidade, uma necessidade cada vez mais urgente em uma sociedade polarizada que precisa do testemunho de pessoas que se esforçam para se entenderem, para construir a unidade na diversidade. Quando se entende o que está por trás de cada realidade, cada posição, vai se fanzendo um discernimento, e talvez se entenda que essa posição, que antes se pensava que estava errada, é o caminho a seguir.
É verdade que a Conferência Eclesial da Amazônia é algo que ainda está em fase embrionária, mas os passos já estão sendo dados, os estatutos estão sendo elaborados e não deve demorar muito para que, após discussão, sejam aprovados por aquele que sugeriu esta novidade. Quando isso acontecer, seremos confrontados com uma nova forma de ser Igreja, aprovada pelo sucessor de Pedro, por Francisco, o peregrino das periferias.
Não podemos esquecer que isto é algo que nasce da periferia, de uma região e de uma Igreja tradicionalmente marginalizada, onde as pessoas vieram para saquear recursos e “civilizar e converter os índios”. Agora é esta realidade periférica que vem para iluminar o centro; são os povos originários que se sentam à mesma mesa que os cardeais da Cúria para iluminá-los com suas cosmovisões e para dizer o que esperam de uma Igreja que se declarou formalmente sua aliada.
Caminhar juntos enriquece, uma Igreja sinodal nos fortalece, torna o Deus Trinitário mais visível e uma instituição onde o sacramento mais importante é o batismo, mais credível. O resto é a concretude das diferentes vocações, e nenhuma é de antemão superior às outras. É por isso que podemos dizer que o Espírito fala através de todos, não somente através daqueles que têm o munus episcopal. Em nenhuma área, mas ainda mais na Igreja, ninguém deve ter o direito de falar se não estiver disposto a ouvir, a todos, mesmo àqueles que pensam de maneira diferente, àqueles que vivem sua vida cristã de outra maneira.
Em Querida Amazônia, Francisco nos convida a sonhar, não como algo utópico, mas como um elemento que ajuda a construir o futuro, a transformar em realidade o que antes só estava presente no mundo das idéias. A Conferência Eclesial da Amazônia, um dos novos caminhos nascidos do processo sinodal, é uma oportunidade para sonhar com uma Igreja como Povo de Deus, nascida da vocação batismal comum, inspirada pelas primeiras comunidades, sustentada teologicamente e pastoralmente no último Concílio e tecida por muitas mãos, com muito cuidado, nos anos que virão na frente.